vai ser diferente.”
Carlos Drumond de Andrade
BEM-VINDO, BIENVENIDO, WELCOME, BIENVENUE
“Não somos enviados para pregar sociologia, mas salvação; não economia, mas evangelização; não reforma, mas redenção; não cultura, mas conversão; não progresso, mas perdão; não uma nova ordem social, mas um novo nascimento; não revolução, mas regeneração; não renovação mas restauração; não renascimento, mas ressurrição; não uma nova organização, mas uma nova criação; não democracia, mas o Evangelho; não civilização, mas Cristo; somos embaixadores, não diplomatas.
Hugh Thomson Kerr
Rubem Alves
Alguém me perguntou se eu acredito na existência do inferno, o lugar onde Deus aprisiona as almas condenadas por toda a eternidade em sofrimentos sem fim. Eu não respondi. Contei uma estória para que a pessoa chegasse à sua própria conclusão.
Era uma vez um velhinho simpático que morava numa casa cercada de jardins. O velhinho amava o seu jardim e cuidava dele pessoalmente. Na verdade fora ele que pessoalmente o plantara – flores de todos os tipos, árvores frutíferas das mais variadas espécies, fontes, cachoeiras, lagos cheios de peixes, patos, gansos, garças. Os pássaros amavam o jardim, faziam seus ninhos em suas árvores e comiam dos seus frutos. As borboletas e abelhas iam de flor em flor, enchendo o espaço com as suas danças. Tão bom era o velhinho que o seu jardim era aberto a todos: crianças, velhos, namorados, adultos cansados. Todos podiam comer de suas frutas e nadar nos seus lagos de águas cristalinas. O jardim do velhinho era um verdadeiro paraíso, um lugar de felicidade.
O velhinho amava todas as criaturas e havia sempre um sorriso manso no seu rosto. Prestando-se um pouco de atenção, era possível ver que havia profundas cicatrizes nas mãos e nas pernas do velhinho. Contava-se que, certa vez, o velhinho, para salvar uma criança, lutou com o cão e foi nessa luta que ele ganhou suas cicatrizes.
Os fundos do terreno da casa do velhinho davam para um bosque misterioso que se transformava numa mata. Era diferente do jardim, porque a mata, não tocada pelas mãos do velhinho, crescera selvagem como crescem todas as matas. O velhinho achava as matas selvagens tão belas quanto os jardins. Quando o sol se punha e a noite descia, o velhinho tinha um hábito que a todos intrigava: ele se embrenhava pela mata e desaparecia, só voltando para o seu jardim quando o sol nascia.
Ninguém sabia direito o que ele fazia na mata e estranhos rumores começaram a circular. Os seres humanos têm sempre uma tendência para imaginar coisas sinistras. Começaram, então, a espalhar o boato de que o velhinho , quando a noite caía, se transformava num ser monstruoso, parecido com lobisomem, e que na floresta existia uma caverna profunda onde o velhinho mantinha, acorrentadas, pessoas de quem ele não gostava, e que o seu prazer era torturá-las com lâminas afiadas e ferros em brasa. Lá – assim corria o boato – o velhinho babava de prazer vendo o sofrimento dos seus prisioneiros.
Outros diziam, ao contrário, que não era nada disto. Não havia nem caverna, nem prisioneiros e nem torturas. Essas coisas existiam mesmo era só na imaginação de pessoas malvadas que inventavam boatos. O que acontecia era que o velhinho era um místico que amava as florestas e entrava no seu escuro para ficar em silêncio, em comunhão com o mistério do universo.
Você decide. Você decide em que versão acreditar. Note bem: ninguém jamais entrou na floresta escura. Tudo o que há são fantasias de homens: fantasias de homens cruéis e vingativos. Fantasias de homens movidos pelo amor.
Se você se decidir a acreditar que o velhinho tem uma câmara de torturas que lhe dá prazer, então você tem de acreditar também que ele é um monstro igual aos torturadores que brincam com as crianças durante o dia e torturam pessoas indefesas durante a noite. Sua bondade diurna não passa de uma farsa. Eu não poderia amar velhinho assim. Você poderia? Diante de um velhinho assim a gente sente é horror, jamais amor. Quem acredita que Deus tem uma câmara de torturas eterna não pode amá-lo. Mas como Deus é amor, aquilo que é temido não pode ser Deus. Só pode ser o Diabo.
Mas se você acreditar que tal câmara de tortura não passa de uma invenção do coração malvado dos homens, então você amará o velhinho cada vez mais.
Você entendeu: essa estória é uma parábola sobre Deus. Quem acredita no inferno está, na realidade, acreditando em coisas horrendas sobre Deus. A questão crucial, portanto, nessa pergunta sobre a existência do inferno, é: o que é que você pensa de Deus? Imagino que o velhinho deve ter chorado amargamente quando ficou sabendo dos boatos que os homens estavam espalhando sobre ele. Acho que Deus chora também quando os religiosos, que se dizem a seu serviço, espalham esses boatos de que ele se diverte com o sofrimento dos presos na sua câmara de torturas. Se o velhinho não fosse tão bom, acho que seriam esses que ele enviaria para uma temporada de curta duração no inferno, se ele existisse…
vi no: http://jovensbetesdaon.com/sobre-o-inferno/#more-413
Por Ricardo Gondim
Acredito que o livro faz parte da conspiração divina. Quando Deus quis falar aos homens, não fez pirotecnia celestial, apenas inspirou homens que escrevessem. Por isso, todas as vezes que Moisés subia a montanha, Jeová mandava que trouxesse um bloco de anotações. Tem razão a frase latina: Scripta manent, verba volant – “O escrito fica, as palavras voam”.
Digo sem medo: todo livro é sagrado. O livro é relicário santo onde se registram as memórias, as fantasias, as angústias, os medos, as bravuras, a grandeza e os pecados da humanidade.
Não existe livro impuro, apenas o mal escrito. Literatura é a mais completa de todas as artes. Se um personagem numa pintura, escultura ou cinema aparecer contemplando um relvado, ninguém conhecerá com exatidão o que ele pensa. O bom escritor, contudo, discerne não só os seus pensamentos como o que move suas entranhas.
Louvado seja o livro, pois sem ele não conheceríamos o amor trágico de Tristão e Isolda, de Romeu e Julieta e de Bentinho e Capitu; jamais celebraríamos a coragem enlouquecida de Dom Quixote; não saberíamos sobre a força do ciúme em Otelo; e nunca partilharíamos da coragem do capitão Acabe.
Jorge Luis Borges afirmou que, em sua vida, procurou mais reler do que ler: Ele dizia: “Creio que reler é mais importante que ler, embora para reler seja preciso haver lido”.
Borges, já sem enxergar, fez uma linda declaração de amor ao livro:
“Continuo fingindo não ser cego; continuo comprando livros, continuo enchendo minha casa de livros. Há poucos dias fui presenteado com uma edição de 1966 (ele escreveu isso em 1978) da Enciclopédia Brockhaus. Senti a presença dessa obra em minha casa; eu a senti como uma espécie de felicidade. Aí estavam os vinte e tantos volumes, com uma letra gótica que não posso ler, com mapas e gravuras que não posso ver; e, no entanto, o livro estava aí. Eu sentia como que uma gravitação amistosa do livro. Penso que o livro é uma das possibilidades de felicidade que temos, nós, os homens”.
A humanidade não vive só de pão, mas de palavras. No livro não se acha sabedoria pura e simples, nele está a fonte da felicidade. Deus é escritor e os que querem se achegar a Ele, devem aprender a gostar de ler.
Soli Deo Gloria.